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O espaço físico pode ser um lugar abstrato, complexo e em construção
2021

Rommulo Vieira Conceição. O espaço pode ser um lugar abstrato, complexo e em construção. I

Rommulo Vieira Conceição. O espaço físico pode ser um lugar abstrato, complexo e em construção, 2021.

A ideia do que seria o Século XXI, para quem tem mais de quarenta anos, sempre foi controversa. Se por um lado, os avanços tecnológicos, as facilidades práticas desenvolvidas para a realização de tarefas ordinárias (provindas inicialmente da revolução industrial e culminadas nos avanços da inteligência artificial), a existências de meios que tornaram a comunicação abrangente, mundial e irrestrita (celulares, whatsapp, instagram…) sugeriam uma vida otimista “à la” “Os Jetsons” ou “Buck Roger; por outro, a escassez dos recursos naturais básicos, a cada vez diminuída relação homem-ecossistema, a exploração desmedida dos minérios naturalmente esgotáveis, a lenta mudança dos padrões de geração de energia e os altos índices de poluentes em todos os meios (ar, água, solo, alimentos…) nos levariam a um futuro distópico e pessimista “à la” “Blade Runner” e “Mad Max”. Embora distintos, os dois modelos acreditavam que, na medida em que os problemas práticos seriam resolvidos, do ponto de vista individual almejaríamos e evoluiríamos para um estágio de maturidade e liberdade pessoais capazes de ou afetar positivamente o comportamento coletivo de partilha e de liberdade de expressão, ou pelo menos de tornar essa evolução egoísta para a preservação da liberdade individual conquistada. Entretanto, após quase uma década e meia passada desse novo século, a sociedade internacional se depara com uma falta de habilidade de conviver com a mínima liberdade pessoal que vem sendo construída e duramente conquistada desde o tempo do iluminismo e parece tentar trazer de volta os aspectos fundamentalistas que ditem regras e modelos para que esteja claro como devemos nos comportar e proceder, o que devemos fazer e pensar. 

 

Do ponto de vista político, nos primeiros anos da segunda década deste século estamos vendo as crises da democracia. Governos democráticos, ou recentemente redemocratizados, desestabilizam a sua situação para modelos autoritários e totalitários a partir de eleições de “outsiders”. A cultura e a educação encontram-se ameaçadas por esses governos. Do ponto de vista comportamental, esses aspectos se refletem nos modelos religiosos. Se internacionalmente essas características avançam com a evolução, a ameaça e o embate de um fundamentalismo do meio oriente expandido para a Europa, no Brasil essa evolução se expressa de forma mais evidente no aumento das crenças provindas de religiões novas baseadas em compreensões literais de livros sagrados, sem interpretações, e com pouca tolerância para a convivência. Palavras como ecumênico, convivência, complexo e diversidade parecem diminuir os seus sentidos num país por sua vez complexo, com histórias complexas e múltiplas, caracterizado pela diversidade cultural, regional e natural. Enquanto antes isso era uma riqueza, hoje, na segunda década do século XXI, isso parece um problema.

 

O excesso de informações irrelevantes parece não facilitar em nada a clareza dos acontecimentos. Qualquer um pode discutir qualquer assunto, se juntar a qualquer discussão pelos meios de comunicação diversos, sem necessariamente ter consciência real ou relevância sobre o que está sendo discutido, ou mesmo ter tempo ou interesse para aprofundar o seu conhecimento. Se a clareza e o aprofundamento das informações se tornam cada vez menos importantes, a crença cega, baseada numa religião cega, se torna mais relevante. Hannah Arendt, em seu livro “A Condição Humana” deixa claro um conceito que fala exatamente sobre isso: “a fragilidade dos negócios humanos”. Analisando a palavra “agir”, provinda do latim e do grego, que tinham em ambas as línguas um significado duplo de “começar algo / governar / iniciar algo” e “executar o começado / levar a cabo / continuar”, Arendt demonstra como essa palavra se unifica em uma só: liderar ou governar. Do ponto de vista político, agir passa a ser o governo ou o líder que manda seus súditos executarem algo. Dessa forma, tira do sentido da palavra “ação” a capacidade também de executar e divide seu sentido em alguém que manda (ação) e alguém que executa. Da forma que a sociedade evoluiu, o desaparecimento de uma ordem (ação) torna a execução sem ordem quase impossível. Mas, ao meu ver, a execução sem a ordem seria, talvez, o máximo da liberdade: executar o que se deseja, sem a ordem de outrem pré-estabelecida! O século XXI, entretanto, parece estar buscando entronizar a distinção entre ordem e a execução e relevar a ordem para alguém (ou alguma coisa) e a execução para as pessoas. A religião, sempre associada à política, parece ser o meio onde essa distinção se torna mais viável no mundo contemporâneo e em todos os tempos anteriores.

 

Desde a sua criação, as religiões tendem a ser instituições onde a ordem e a execução parecem ser mais claramente distintas. Os meios para fazer com que a ordem, dada pelo líder, se torne executável pelos seus súditos são diversos e a arte tem sido usada mundialmente para este fim. A história das artes e a história da religião parecem se sobrepor por mais de 500 anos no ocidente. No oriente próximo até o oriente distante, arte e religião também se sobrepõem nas suas iconoclastias. Se para o ocidente e oriente distante, mais alegórica; para o oriente próximo, mais geométrica evitando representações. Entretanto, para as novas religiões, a ausência da imagem parece ser uma novidade. Tal observação parece remeter não a uma ideia coletiva que possa ser imaginada, ou a um futuro pós-morte ilustrado ou alegórico, mas sim a uma realidade concreta e real. Se para um católico, por exemplo, o céu é repleto de imagens sagradas, que durante a história da sua representação iconoclástica saíram do sofrimento para o apogeu e redenção, e para onde as benções do bom comportamento serão sempre recompensada, para as novas religiões o céu não existe, ou pelo menos não é representado. Existe o aqui e o agora. A recompensa é feita no hoje, no presente, na vida terrena. Prospera-se no agora. Mas como fazer com que a ordem se torne uma ação sem uma imagem servir como modelo? Desde que não tomemos a violência, o suborno ou o constrangimento como respostas, essa questão me faz remeter à arquitetura, visto que as religiões, de uma forma geral, necessitam de um espaço para congregar.

 

A arquitetura clássica, baseada nas suas formas austeras implicam em poder, sugerem respeito, formas geométricas, belezas clássicas, às vezes: proteção. Não à toa, o atual presidente americano tenta, há dois dias da formulação desse texto, lançar uma lei que force a construção de prédios governamentais terem suas arquiteturas baseadas em modelos clássicos.  

 

Lojas-templos brasileiros apresentam frontões. Prédios residenciais recentemente construídos em todo o Brasil apresentam lápides de granito e mármore, sancas externas, colunas com capiteis, arcos em suas portarias.

 

Este trabalho consiste de arcos romanos, cuja referência é a igreja de São José de Belo Horizonte, arcos e uma cúpula islâmicos, frontões clássicos, cúpulas de mesquitas israelitas, paredes de templos pentecostais e quartinhas de candomblé convivendo com uma meia-parede de escolar e classes de carteiras organizadas em fileiras em um ambiente de construção. O trabalho é um espaço criado ou em construção, harmônico ou não, convivial ou de batalha definido pela fruição entre o artista e o observador.

 

Texto escrito para a obra “O espaço físico pode ser um lugar abstrato, complexo e em construção”, 2021.

Estruturas Dissipativas: Trepa-trepa
2020 

Rommulo Vieira Conceição. Estruturas Dissipativas_ Trepa-Trepa. Instalação. 320 x 500 x 24

Rommulo Vieira Conceição. Estruturas Dissipativas: Trepa-trepa, 2021.

O projeto consiste de uma escultura, onde se identificam dois trepa-trepas, um de frente para o outro, escadas, vidros, planos de cor, grades (ainda não representadas) e bancos. Toda a escultura é feita em madeira (compensado naval) ou chapa de ferro (em caso de ficar exposto a intempérie), ferro tubular (para o trepa-trepa e para as grades), vidros temperados de 10 e de 12mm e uma cobertura com tinta poliuretano automotiva com proteção para intempérie em toda a superfície colorida, exceto nos pilares dos bancos que serão cromados. Algumas placas de compensado naval (ou chapa de ferro) são parcialmente cobertas com cerâmicas, além da tinta automotiva. Toda a estrutura remete a uma forma gráfica criada com base em eixos e planos de simetria e a ideia de sobreposição e repetição de dois ou mais espaços. O trabalho cria um desenho geométrico espacial e os planos de vidro permitem que esse desenho se repita por várias vezes através da reflexão da imagem num espaço virtual. 

 

Essas ideias são partes comuns a minha poética e faz parte da série “estruturas dissipativas” compondo o último trabalho da série. A série «estruturas dissipativas» combina uma forma lúdica (brinquedos de parques e praças, ou de “playgrounds”) construída na escala de adulto sobreposta à outros móveis, objetos, grades e planos ou espaços gráficos de outras origens. Os elementos lúdicos em tamanho adulto informam que, embora pareçam, não remete a um parque de diversões, mas sim a objetos que, ao serem utilizados, criam movimentos redundantes de ir e vir, subir e descer, ir de um lado para o outro... Esses movimentos repetitivos e enfadonhos, se de forma inicial remetiam a uma brincadeira e uma diversão, sua repetição traz uma sensação de frustração, inutilidade e anulação. Alguns elementos são colocados no trabalho de forma a sugerir um certo risco do seu uso, um risco nesses movimentos. Neste trabalho (trepa-trepa), os vidros e as grades (ainda não desenhadas nesta versão) exercem essa função. 

 

Todas as cores utilizadas são as primárias ou as secundárias colocadas juntas de acordo com seus complementares, uma prática recorrente na pintura moderna geométrica. Para este trabalho, partiu-se de formas retangulares com quinas arredondadas encontradas na cozinha de Casarões Antigos reformados na década de 70. Este período é aquele onde o modernismo ainda estava em auge com suas figuras geométricas arredondadas em contraste com uma ditadura brasileira expressa que solicitava uma estética dura e pesada. Ao mesmo tempo, ações violentas de um modelo político contrastavam com a ideia de liberdade sugerida pelo modernismo. A partir de uma distribuição de alguns elementos encontrados, e de formas de interesse ao artista, resultou-se nesta proposta. Os planos de vidro disposto em todo o trabalho tem a função de refletir diversas vezes partes da escultura, mas quase nunca o observador, colocando este observador em um espaço concreto e virtual, interno e externo, lúdico e frustrante, pacífico e perigoso, tudo ao mesmo tempo. 

 

Texto escrito para a obra da série Estruturas Dissipativas, “Trepa-trepa”, 2020.

Quando a posição define o espaço social, sendo objeto contingente dessa posição
2020

Rommulo Vieira Conceição. Quando a posição define o espaço social, sendo o objeto continen

Rommulo Vieira Conceição. Quando a posição define o espaçø social, sendo objeto contingente dessa posição, 2020.

O Brasil tem pouco mais de 500 anos, como país! Entretanto, seu acervo cultural conta com uma história muito mais longa, visto que o país é um produto de várias culturas que se misturaram, que se interpenetraram, e se sobrepuseram ao longo de toda a sua história, inclusive àquela antes de ter sido considerado como país. 

 

Ao longo desses 500 anos, entretanto, munidos dessas sobreposições culturais, construímos algo próprio tendo como motivador diversas razões, nem sempre pacíficas. Num país com dimensões continentais, culturas diversas e fortemente regionais, fomos motivados por razões desde a imposição violenta de uma cultura sobre a outra, que perdurou de forma mais expressiva por mais de três séculos e que continua existindo de forma não menos violenta, embora mais silenciosa; a busca de uma identidade nacional para situar o Brasil no mundo como um país; a criação ilusória de uma ideia de país, sem considerar as diferenças regionais ou e de minorias; a exploração das diferenças regionais para criar uma hegemonia do sul/sudeste com características evoluídas em detrimento de outras regiões brasileiras e de minorias consideradas arcaicas, ingênuas, subservientes ou  subdesenvolvidas; até uma parca vontade genuína da expressão de nós mesmos. Apesar das motivações, a produção cultural brasileira é rica e colorida.

 

No momento atual, entretanto, o país passa por um processo de apagamento de sua própria cultura e uma diminuição de seu próprio valor histórico frente a si mesmo e ao mundo. Uma visão determinista do que é certo e do que é errado baseado em um ideal obscurantista tenta tomar conta do país, sem que seja observado sobre si mesmo a repetição das mesmas atitudes desenvolvidas em épocas anteriores para imposição cultural ou as consequências de tais manifestações. Dessa vez, entretanto, esse movimento traz consigo uma pobreza de produção nunca vista antes na história do País.

 

O trabalho “QUANDO A POSIÇÃO DEFINE O ESPAÇO SOCIAL, SENDO OBJETO CONTINGENTE DESSA POSIÇÃO” é composto por vários desenhos de vasos e recipientes retirados da cultura brasileira inicialmente através dos desenhos de Rugendas e Debret e posteriormente a partir de imagens de propagandas, de museus e da cultura popular, dentre outros. Além desses, alguns vasos de outras culturas também são mostrados, retirados de momentos em que o Brasil despontou como um país de igual importância cultural a partir de projetos culturais brasileiros. O Modernismo é um desses momentos. 

 

Todos os vasos e recipientes foram desenhados e impressos em placas de vidro que são dispostas apoiadas no chão e na parede, uma na frente da outra, com uma inclinação que permite à visão do observador ter uma impressão de ver todos os vasos tidimensionalisados e sobrepostos um ao outro, como uma grande sobreposição de culturas. 

 

Diferente dos trabalhos anteriores que eu tenho proposto onde a cor e as formas geométricas têm sido elementos importantes, o trabalho “QUANDO A POSIÇÃO DEFINE O ESPAÇO SOCIAL, SENDO OBJETO CONTINGENTE DESSA POSIÇÃO” é em preto e branco com o intuito de dar um caráter documental ao trabalho e apresentar o momento presente: sem cor e sem brilho. As formas geométricas dão lugar a formas mais orgânicas para dar mais visibilidade à natureza humana. Todos os objetos escolhidos estão desenhados em chapas de vidro e a disposição do trabalho permite que o observador perceba os objetos representados como feitos de vidro também, independente do material original que foi fabricado. Assim, um filtro de barro parecer ser um filtro de vidro. Uma panela de acarajé parece ser feita de vidro também. A intenção é enfatizar o caráter de fragilidade do momento atual, visto que a qualquer instante, as placas podem deslizar e quebrar, simbolicamente descontruído toda a cultura construída até hoje e dando um caráter frágil dessa construção.

 

O trabalho foi pensado para ser mostrado de duas maneiras: uma delas composta por trabalhos individuais formados por um conjunto de placas de vidro (como aprestado na figura). A outra, como uma grande instalação, na qual muitas placas são sobrepostas uma às outras criando um ambiente frágil. Nesta segunda configuração, uma luz baixa pode se encontrar à frente das placas (ainda sob teste) aumentado o caráter de tidimensinalidade dos desenhos.

 

Texto escrito para a obra “Quando a posição define o espaço social, sendo objeto contingente dessa posição”, 2020.

O espaço se torna lugar na medida em que me familiarizo com ele
2017

Desde o ano 2000, os trabalhos que eu tenho criado remetem à percepção do homem contemporâneo ao espaço físico que ele ocupa. A organização, a percepção e a utilização do espaço físico caracterizam o comportamento social e demonstram características da identidade do homem no espaço/tempo da sua existência. Dessa forma, ao sobrepor diferentes espaços, desde espaços domésticos e íntimos, como quartos e cozinhas (“quarto-cozinha/2006”), até institucionais, como supermercado e cinema (“SuperCinema/2011”), eu imagino, dentre outras coisas, estar trabalhando também com as características da identidade do homem contemporâneo, que são complexas, simultâneas e atravessadas pela sobreposição de interesses e conteúdos da sua época. A representação do espaço, sua funcionalização e desfuncionalização, sempre presentes em meus trabalhos, abordam esses interesses. O trabalho “o espaço se torna lugar na medida em que eu me familiarizo com ele/2016-2017” é composto por várias fotos que são realizadas na medida em que eu caminho para dentro de uma paisagem na qual eu nunca estive antes. Durante essa caminhada, eu olho para os quatro cantos com o objetivo de me apropriar de sua vastidão e desse espaço. Na medida em que executo esse procedimento, o espaço se torna familiar. Começo a me situar dentro dele, achar pontos de referências (árvore, pedra, montanha) que tornem mais fáceis a minha localização. Dessa forma, o espaço se torna lugar, na medida em que eu me aproprio dos elementos que o compõem.

 

Além das fotos, compõem o trabalho formas de representação espacial do lugar onde as fotos foram realizadas, como mapas topográficos com curvas de nível, imagens satélites coordenadas geográficas do lugar, bem como a orientação da caminhada em relação ao norte geográfico (o azimute). Uma trilha sonora é realizada a partir da linha da paisagem, derivando em uma outra forma de representação do espaço/lugar apresentado. As paisagens selecionadas para o trabalho foram escolhidas de forma aleatória, durante viagens de carro pela América Latina que têm sido realizadas partindo e chegando a Porto Alegre. A escolha pela América Latina se dá porque embora vários países tenham fronteiras amplas entre si e a história desses países se cruzem ao longo desses 500 anos, as interações entre eles, culminada por exemplo no tratado do Mercosul, sempre finaliza em fracasso. Ultimamente, as características políticas-econômicas do mundo contemporâneo, torna a relação entre esses países propositadamente mais frágil de forma ao cidadão sulamericano nunca se apropriar desse espaço. Foucault e vários geógrafos (e.g. Yi-Fu-Tuan) sugerem que a diferença entre espaço e lugar se dá não apenas na organização dos objetos que os compõem, mas também no grau de familiarização que cada um tem em relação ao espaço que o circunda. Dessa forma, o espaço pode se tornar lugar na medida em que cada um se familiariza com esse espaço. Lugar requer afeto, íntima relação, reconhecimento da organização espacial.

 

Texto escrito para a obra “O espaço se torna lugar na medida em que me familiarizo com ele”, 2017.

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